Da posse e do poder: quando já não há amor (?)

Zeus e Cronos

Zeus e Cronos

A cruel luta entre pai e filho, na busca pelo poder supremo; a continuidade contra a renovação.

Recentemente, na cidade de Pinhais (PR), região metropolitana de Curitiba, uma notícia chocou a todos: “Pai mata filhas de 3 e 5 anos, enforca-se e filma tudo para se vingar da ex-esposa”. Era a manchete, estampada em um jornal de grande circulação da capital. A princípio, a pergunta que a maioria das pessoas fazia era uma só: “por quê?”.
Por que havia sido aquela a “saída”? Por que um desfecho tão violento e cruel? Por que a realidade assumiu ares de “insustentável”, a ponto de não se vislumbrar outras possibilidades?
Muito se tem falado e escrito acerca do desejo e da necessidade de “posse” pelo homem. Ao longo da história da Humanidade, temos inúmeros relatos de que a natureza humana, vez ou outra, agarra-se a todo e qualquer tipo de “muletas”,  na tentativa de “fortalecer-se”.
São “tentativas” nem sempre imbuídas de boa vontade, de boa intenção, de sinceridade. São, na verdade, recursos últimos utilizados na busca de se manter padrões de satisfação individuais, egoisticamente pensados, carregados de sentimentos mesquinhos e vis.
Esses “últimos recursos” já estão drasticamente afastados das noções claras de civilidade, em que seu autor, utilizando-se de uma visão rasteira de suas convicções, deixa de enxergar a realidade, e passa a viver sob uma ótica de natureza duvidosa, visando a uma satisfação exclusivamente pessoal.
O indivíduo nessas condições não se satisfaz com o espaço que lhe é destinado. Ele quer ir mais além. Quer “apoderar-se” do espaço do outro, a qualquer custo. E na busca de atingir seu fim último, utiliza-se dos mais variados métodos, das mais variadas armas. Assim, utilizando-se de critérios duvidosos, não se dá conta de que ultrapassou as fronteiras do que é possível, permitido, sancionado, e dessa forma, avança sobre o terreno do outro sem o menor remorso. Na verdade, imagina-se até que o terreno do outro lhe pertence. Que o outro lhe pertence. Que é sua propriedade. E assim sendo, compete-lhe dar a esse outro o destino que melhor lhe convém. Ao decidir pelo “destino” do outro, imagina-se realizando seus desejos mais ardentemente desejados.
Alfred Adler, psicólogo austríaco, contemporâneo de Jung, desenvolveu uma teoria particular, que ficou conhecida como “psicologia do desenvolvimento individual”. Segundo essa teoria, o meio social e a contínua preocupação do indivíduo em alcançar objetivos preestabelecidos são os determinantes básicos do comportamento humano, incluindo-se aí a sede de poder e a notoriedade. Nesse sentido, o sentimento de inferioridade faz nascer um desejo compensatório de superioridade, de dominação e de poder, que pode conduzir a alguma forma de sucesso pessoal, ou traduzir-se em desejos irrealistas e na busca de objetivos irrealizáveis, que caracterizam a neurose. Assim, eventual dificuldade em exteriorizar seu verdadeiro ego tende a conduzir o indivíduo a um estado de obsessão. O desejo de superioridade torna-se, então, doentio, assumindo características de domínio. A fim de atingir seus objetivos (a ascensão profissional, a aquisição de um bem de consumo, a atenção da pessoa amada..), o indivíduo que apresenta um complexo de inferioridade exacerbado, em geral, tende a ter dificuldades em aceitar e distinguir a coisa “lícita” da “ilícita”. Também, em geral, tende a ser uma pessoa impulsiva. O sentimento de inferioridade e o sentimento de domínio caminham lado a lado, separados por uma linha muito tênue. Daí, chegar ao crime como meio para mudar sua condição (social, familiar, afetiva), é atitude perfeitamente possível, segundo sua visão rasa.
Adler dirá ainda que o poder está dentro de cada um de nós com o objetivo de auxiliar-nos no enfrentamento das forças externas, sendo essa luta com o mundo externo determinante no molde de nossa personalidade. Enfatizará três áreas fundamentais para o desenvolvimento e felicidade humana: amor, trabalho e relações sociais, sendo que em nenhuma delas poderia prevalecer sentimentos de competição, desejo de superioridade ou complexo de inferioridade, sob pena de se interromper o fluir das potencialidades humanas.
Não obstante, o que leva certos indivíduos a enxergar no poder a única ferramenta a ser utilizada na conquista de seus objetivos? Que tipo de “fascínio” exerce a busca pelo poder a ponto de mobilizar toda uma vida, toda uma dinâmica, todo um repertório?
Observa-se que a busca “desenfreada” pelo poder – essa ânsia impulsiva, doentia em alguns casos -, é “madrasta” das mais variadas motivações para a conquista de desejos não partilhados. Desejos egoisticamente engendrados. Exclusivos. O outro deixa de ser parte integrante; é, na verdade, mero instrumento. Trampolim.
Indivíduos que apresentam certa dificuldade no manejo de seu objeto de desejo merecem constante atenção. Vigilância. São pessoas fragilizadas pela dificuldade em estabelecer concessões, em abdicar, em sublimar. A posse do objeto de poder funciona tal qual a conquista do prêmio tão desejado. Nessa “disputa” vale utilizar-se das mais variadas armas, justificando-se, dessa maneira, os mais variados fins. Até mesmo o adágio que diz: “se não for meu, não será de mais ninguém”.
Ainda segundo Adler, o indivíduo que não está interessado no seu semelhante é o que tem as maiores dificuldades na vida e causa os maiores males aos outros.
Aqui, vale indagar: por que a humanidade carrega em si mesma o desejo latente de conquistar poder, de sentir-se no poder, de dominar, ser superior, estar no controle?
Até que ponto essa busca incessante pelo poder pode ser traduzida na procura da felicidade, da completude, da realização? Que espécie de realização é essa que anula o desejo do outro, que lhe retira possibilidades, que lhe nega direitos, que visa tão somente o gozo da parte e  não do todo?
Que espécie de “amor”1 pode ser  esse que esquece as necessidades do outro, que mascara a realidade, que intensifica a fantasia e a mentira?
Aqui vale perguntar: se a relação se transformou numa “guerra de poder”, numa disputa de forças, numa batalha diária, onde foi parar o amor? Esteve de fato presente em algum momento, ou tudo não passou de enganações mútuas, sobrepujadas pela guerra inconsciente  de egos inflados?
Tema para uma nova conversa.
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1 Amor da Minha Vida (Michael Sullivan e Paulo Massadas)
 
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