Ciúme e inveja: um diálogo de poder
-
É necessário haver um vencedor?
Certa vez, o ciúme e a inveja encontraram-se à beira de um lago e, após um certo estranhamento, mantiveram o seguinte diálogo:
Ciúme: Então, que pensas que estás fazendo, invadindo meu espaço?
Inveja: Ora! Que arrogância! Acaso não há lugar para todos os sentimentos nos corações das pessoas?
Ciúme: Certamente! Mas hás de concordar que nem todos os sentimentos podem estar no mesmo nível!…
Inveja: É óbvio que não! Mas por acaso uma casa é construída apenas com tijolos?… Não é melhor aceitar que todos podem viver em harmonia, se cada um fizer sua parte?
Ciúme: Difícil encontrar alguém que conheça seu lugar! Todos querem se dar bem… Querem tirar vantagens… Querem se beneficiar de alguma forma… Você mesma, não costuma criar situações as mais diversas para inflamar-se nos corações das pessoas?
Inveja: Não sejas tão prepotente!… Por que se acha tão superior? Acaso tu mesmo também não costuma se aproveitar das situações para espalhar teu veneno tanto quanto possa? Penso que o coração dos homens, esse, sim, é bom, pois está sempre de portas abertas para todos os sentimentos. Agora, apoderar-se dele para montar morada, criar raízes, estabelecer-se… penso que aí já chega a ser abuso! Porque uma coisa é “visitar alguém”; outra é “abusar do tempo e da paciência”.
Ciúme: Lá vem você, “um poço de pureza!”, querer filosofar logo comigo, que conheço tanto da natureza humana! Francamente!
Inveja: Pois, se se acha tão “experiente”, o que me diz de ficar muitas vezes às espreitas, esperando que o tempo te favoreça, e assim sair-se “vitorioso”? Pois hás de convir que em muitas ocasiões o tempo é quem leva melhor vantagem… Quantas vezes não é o tempo que vai dar a melhor direção para os homens?!
Ciúme: Até pode ser… É verdade que o tempo muitas vezes é um aliado. Eu mesmo já me juntei a ele em algumas situações. E olha que tirei muito proveito!
Inveja: Posso bem imaginar! Certamente destilou seu veneno o mais que pôde… Fez o homem sofrer mais que o necessário!
Ciúme: Ora! Não sejas falsa! Tu mesma, quantas vezes não se aproximou furtivamente e esperou o momento certo para “dar o bote”? Não vejo muita diferença entre nossas naturezas…
Inveja: De fato, nesse aspecto sou obrigada a concordar contigo. Somos mesmo sanguessugas…
Ciúme: Não penso assim!… Apenas vivo conforme minha índole. Não vivo me escondendo. Aliás, sempre procurei ser autêntico. Quando me mostro, me mostro sem máscaras!
Inveja: Sei muito bem como te mostras!… Sempre querendo parecer o poderoso… Sempre achando que atiça mais as relações humanas que qualquer outro sentimento… Até mesmo o amor… Soube que andaram “se estranhando”…
Ciúme: Esse aí… Bem… Sempre pensando que é capaz de resolver todos os embates dos seres humanos! Ora! Quem aguenta viver “só de ilusão”? Ou “só de fantasia”? Acho tudo, na verdade, uma grandessíssima hipocrisia!
Inveja: Tu, como sempre, desdenhando dos outros! O todo poderoso ciúme! O mais “esperto” dos sentimentos! O mais inteligente! O mais perspicaz! Até parece que reinas absoluto!
Ciúme: E experiente! Esqueceste de dizer. Minha experiência é longa… Convivo com a natureza humana desde sempre. E tenho orgulho em saber que sempre estarei no coração das pessoas… Que posso fazer? É a minha natureza! Só estou cumprindo meu papel…
Inveja: Até entendo que estejas vivendo a tua natureza… Cumprindo teu “destino”… Mas, o que ganhas com tudo isso? O que há de “bonito” em separar as pessoas?
Ciúme: Não é apenas “separar as pessoas”! Já reparaste como elas se tornam mais “vivas” quando estou presente? Como reagem com mais energia, mais vigor, mais propósitos? Elas ficam exaltadas! Nossa! Isso me faz tão bem!
Inveja: Posso bem imaginar o que é “sugar …”.
Ciúme: Quer saber! Cansei desse teu discurso de “boa samaritana”! Até parece que és um “poço de santidade”! Esqueceste que já “aprontamos” juntos inúmeras vezes? Estás desdenhando da comida que um dia já te servi? Não compreendo esse teu discurso de “politicamente correta”… Afinal, o que ganhas em me atacar? Por que não aceitas tua condição?…
Diante dessa fala inflamada, a inveja se viu acuada. Até pensou em contra-argumentar. Em expor suas razões. Em propor uma trégua. Uma aliança. Um acordo de paz. Quem sabe não poderia haver um mútuo benefício? Quem sabe não poderiam ainda “aprontar juntos”? Ao invés disso, baixou os olhos, deu meia volta e caminhou na direção oposta. Saiu sem nada dizer; embora pensando mil coisas. Decidiu deixar para uma outra oportunidade.
Tema para uma nova conversa.
…….
Esta entrada foi publicada em
Mitologia,
Psicologia e marcada com a tag
ciúme,
inveja. Adicione o
link permanente aos seus favoritos.