Do ciúme e da inveja: o universo do amor às avessas
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O titã Cronos, num misto de ciúme e inveja, mata o próprio pai, o deus Urano
Ah! É hoje que eu descubro se fulano tá me traindo… (diz a esposa desconfiada, bisbilhotando o computador do marido).
Sempre que o namorado de Marcela vinha pegá-la em sua casa, sua irmã ficava observando os dois, às escondidas, imaginando-se saindo, ela mesma, com o rapaz.
Nossa! Que casa linda a Laura tem! Como eu queria ter uma casa assim!
E o esposo chega à casa do sogro, todo animado com a compra do carro do ano, fazendo questão de mostrar a todos sua nova aquisição. Ao olhar para seu velho companheiro de labuta (modelo há muito ultrapassado), estacionado nos fundos da casa, o sogro sente um desejo estranho…
Você já reparou, Fulana, que lindo casal eles formam?…
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São muito tênues as nuances entre um sentimento de ciúme e um sentimento de inveja. Embora ambos sejam verdadeiras expressões de sentimentos da natureza humana, ainda assim possuem características próprias complexas: sintomas, sinais, relações.
Nesse emaranhado de sentimentos, no que se refere ao ciúme podem-se observar emoções como raiva, tristeza, medo, dor, depressão; pensamentos tais como: ressentimentos, questionamentos quanto à própria imagem, culpa, comparação com um (uma) possível rival. Observam-se ainda reações físicas como: aperto no peito, taquicardia, sudorese, falta de ar, salivação excessiva ou mesmo boca seca. No que se refere a comportamentos, podem ser observados: excessivos questionamentos, procura constante por confirmações e ainda ações de natureza agressiva ou mesmo violenta.
Quanto à inveja, diversos são os sentimentos os quais se podem observar: inferioridade, rancor, baixa autoestima, desejo de possuir o que há de melhor da pessoa invejada, hostilidade ou malevolência, desejo de eliminar o objeto de inveja.
Embora intimamente interligados, enquanto no ciúme o sentimento de perda seja o mais aparente, tal não se dá com a inveja.
Crias da própria condição humana, ciúme e inveja permeiam os pensamentos e as ações de cada um todos os dias, nos mais variados graus, nas mais específicas situações, nos mais inusitados estados.
Não há ser humano que se possa dizer “à margem” de tais sentimentos. Quando muito, travam, alguns, um embate mais acirrado, na vã tentativa de não ser completamente tocado pelo “ferro que fere”, ou pela “brasa incandescente que queima”.
Doce ilusão! O inimigo nos rodeia. O inimigo já adentrou o muro. “Conquistou” espaço. “O ciúme lançou sua flecha preta”1, cantou certa vez o poeta. E mais adiante, cantou outro: “… e o tempo se rói com inveja de mim”2. É possível manter-se distante? É possível “afastar o cálice”?
Se, em infinita necessidade de reflexão, o homem para para “ouvir” tais sentimentos, certamente dirá a si mesmo que o argueiro está no olho do vizinho, do colega ao lado… Admitir que tais sentimentos rondam-lhe seus passos, é passar recibo de fraco, covarde, derrotado. Aqui, mais vale negar, que assumir uma mea culpa. A negação é, se não o maior, um dos maiores entraves da “cura psicológica”.
Nesse sentido, cabem aqui algumas indagações: o homem quer livrar-se do ciúme e da inveja? Quer, de fato, domar a fera que lhe rói as entranhas? Quer mesmo extirpar tal motivação? Ou ciúme e inveja alimentam-lhe a fome que teima em ser insaciável?
Também merece aqui indagar-se: qual o preço que o homem paga pelo ciúme e pela inveja? No somatório final, quanto de positivo é possível se observar?
E por fim, cabe ainda perguntar-se: pode o homem “curar-se” de tais sentimentos, a ponto de bater-lhe a porta à cara, quando ambos invadem-lhe, sem pedir licença, seu espaço?
Aqui, cabe uma ressalva: embora haja um claro desleixo com a própria vida quando o indivíduo é tomado quer seja pelo ciúme, quer seja pela inveja, pela excessiva preocupação com a vida do outro, ainda assim o mesmo pode beneficiar-se, tendo atitudes positivas para desenvolver novas habilidades, melhorar a aparência e reforçar sua autoestima.
Quanto ao caráter didático psicológico de tais sentimentos, o ciúme é tido como um fenômeno trial (envolve três ou mais pessoas). Existe quando, num jogo de três indivíduos, um ameaça destruir o outro para “possuir” o terceiro. Exemplo claro está na canção “Ciúme de Você”3, de Roberto Carlos, quando diz: “… Este telefone que não para de tocar, está sempre ocupado quando penso em lhe falar, quero então saber logo quem lhe telefonou…”. Fica clara na canção a relação entre três indivíduos.
Diferentemente, a inveja é um fenômeno dual (envolve apenas dois indivíduos; melhor dizendo: um indivíduo e uma “coisa”). Implica o desejo de posse da “coisa” do outro; nunca do outro, enquanto indivíduo. Quando o foco (o desejo de posse) está no indivíduo, aí já deverá existir um terceiro indivíduo na relação. Estabelece-se o ciúme. Você quer tirar o outro do outro. Veja o exemplo da canção citada acima. Na inveja, a coisa do outro é o foco: “inveja do cabelo dela” (queria “possuir” o cabelo dela); “inveja do sorriso dele” (queria “ter” um sorriso como o dele); inveja do casamento da amiga (queria ter uma relação afetiva como aquela).
Portanto, embora etimologicamente em ambas as palavras haja a ideia de posse, inclusive, às vezes, até respaldada por alguns dicionários, que chegam mesmo a colocá-las como sinônimas, seu emprego se dá em circunstâncias diversas.
Qualquer que seja, enfim, sua origem, sua manifestação, ou mesmo seu resultado final, podem, ditos sentimentos ser carregados energeticamente de amor? Ainda que de uma forma torta?
Penso ser esse um tema para outra conversa!
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